SGEMGlobal#92: Portuguese – ARISE Up, ARISE Up (EGDT vs. Usual Care for Sepsis)

SGEM#92 Portuguese: Levantem-se levantem-se (EGDT x tratamento “comum” para sepse) (Estudo ARISE de sepse)
*EGDT- early goal directed therapy *DE- departamento de emergência *UTI- unidade de tratamento intensivo *PAM- pressão arterial média
Convidado cético: Dr. Suneel Upadhye. Professor clínico adjunto de Medicina de Emergência da Universidade de McMaster. Membro adjunto do departamento de epidemiologia e bioestatística. Presidente do Comite da Associação Canadense de Médicos Emergencistas. Pesquisador de sepse.
Caso: homen de 62 anos proveniente de uma casa de repouso com histórico de tosse produtiva há 3 dias, febre intermitente que hoje apresentou-se um pouco confuso. A nota de transferência inclui história de ICC, DPOC, gota, hipertensão, DM2, demência leve. Sinais vitais: Tax: 39,1oC, FC 103, PA 115/100, FR 26, Sat oxigênio 92%, glicemia normal.
Pergunta: um paciente do departamento de emergência precisa do EGDT ou de uma reanimação “normal”?
Resumo: Os 5 pontos chave do tratamento da sepse de Suneel
- Reconhecimento precoce
- Antibiótico de amplo espectro
- Reanimação volêmica
- Nível de lactato
- Transferência para uma unidade de tratamento apropriado
Artigo: Goal-Directed Resuscitation for Patients with Early Septic Shock. The ARISE Trial. NEJM Oct 2014
- População: adultos > 18a que chegavam no departamento de emergência com infecção suspeita ou confirmada em até 6h, 2+ critérios para SIRS, evidência de hipotensão refratária a volume (PAS <90 ou PAM <65 após 1000ml de volume IV na primeira hora) ou hipoperfusão (lactato >4). EXCLUÍDOS se < 18a, contraindicações para acesso venoso central, hemoterapia, morte iminente ou inevitável, doença de base com <90d de expectativa de vida, transferência de outro local, suspeição ou confirmação de gestação, impossibilidade de iniciar EGDT nas primeiras 6h da chegada.
- Intervenção: protocolo padronizado completo do EGDT por uma equipe treinada
- Controle: reanimação “comum”, sem utilização do SCVO2. Todos os pacientes receberam antibióticos IV mandatoriamente antes da randomização.
- Desfecho:
- Primário: todas as causas de morte em 90 dias.
- Secundário/Terciário: sobrevivência em 90 dias, mortalidade nas UTIs, mortalidade em 28 dias, mortalidade intra-hospitalar em 60 dias, mortalidade por causas específicas em 90 dias, permanência hospitalar no DE/UTI/hospital, utilização de intervenções críticas (ventilação mecânica, vasopressores, hemodiálise), destino da alta dos sobreviventes, eventos adversos. A análise demográfica prioritária de um subgrupo, escores do APACHE, ventilação mecânica, hipotensão refrataria, nível de lactato, ressuscitação volêmica (<20ml/kg x >20ml/kg).
Conclusão dos autores: “nos pacientes críticos que chegaram ao departamento de emergência em choque séptico agudo, o EGTD não reduziu as causas de mortalidade em 90 dias.”
Checklist de Qualidade para uma Revisão Sistemática:
- A população em estudo foi focada nos pacientes nos departamentos de emergência? Sim Todos os pacientes recrutados dos departamentos de emergência
- Os pacientes foram adequadamente randomizados? Sim
- A randomização foi às cegas? Sim
- Os pacientes foram analisados nos grupos em que foram randomizados? Sim
- Os pacientes foram recrutados consecutivamente (ex: sem viés de seleção)? Sim
- Os pacientes em ambos grupos foram semelhantes em relação aos fatores prognósticos? Sim
- Os participantes (pacientes, médicos, assessores) não sabiam da alocação dos grupos? Sabiam
- Todos os grupos foram tratados igualmente, exceto na intervenção. Sim
- O seguimento foi completo (ex: pelo menos 80% em ambos grupos). Sim
- Todos os desfechos importantes dos pacientes foram considerados. Sim
- O efeito do tratamento foi grande o suficiente e preciso o suficiente para ter significância clínica. Sim
Resultados chave: todos os grupos foram adequadamente equilibrados e similares. As características demográficas e clínicas foram quase idênticas em ambas coortes (EGDT n=796, tratamento comum n=804).
- Sem diferença significativa
• Volume IV foi administrado em ambos braços (média 2,5l)
• Randomização (média 2,7h após a chegada no DE)
• Média para administração dos antibióticos (70 min; sítios mais comuns: urinário e pulmonar) • Taxas de hemoculturas positivas (38% em ambos grupos) - Com diferença significativa
• Mais admissões nas UTIs no grupo do EGDT (87%) x tratamento comum (76,9%)
• Mais volume administrado nas primeiras 6h no braço do EGDT (diferença aproximada 250ml) • Vasopressores 66,6% x tratamento comum (57,8%)
• Transfusão sanguínea (13,6% EGDT x 7,0% tratamento comum)
• Dobutamina (15,4% x 2,6%)
• Maior PAM (76,5% EGDT x 75,3% tratamento comum)DESFECHO PRINCIPAL = SEM DIFERENÇA SIGNIFICATIVA
Causas de mortalidade em 90d (EGDT 18,6% x tratamento comum 18,8%), também não houve diferença no tempo de sobrevida -
Desfechos secundários e terciários
- Tempo de permanência EGDT (1,4h) x tratamento comum (2h)
- Uso de vasopressores EGDT (76,3%) x tratamento comum (65,8%)
- Sem diferença de no tempo médio de infusão de vasopressores
- Sem outras diferenças significativas nos desfechos secundários e terciários
- Sem diferença significativas nas taxas de eventos adversos (7,1% EGDT x 5,3% tratamento comum)
Comentário: Esse estudo foi muito bem realizado. Houve uma boa randomização, o estudo foi multicêntrico e em múltiplos países. Houve uma análise com a intenção de tratar. Houve um acompanhamento >99% em ambos grupos. Houve uma análise segura planejada em 50% dos recrutados; foi revisado por um comitê independente de dados e monitoramento de segurança.
A única questão óbvia e inevitável foi a impossibilidade de “cegar” os médicos e os pacientes devido a natureza das intervenções. Entretanto, temos a sensação de que isso teria favorecido o EGDT e apenas fortifica o resultado aceitando a hipótese nula de não superioridade.
Não houve diferenças clínicas nos desfechos primário, secundário e terciário (embora algumas sejam estatisticamente diferentes).
Outras ótimas revisões do ARISE trial:
Nossas conclusões comparadas com a do autor: esse é o segundo grande estudo de reanimação na sepse em 2014 (ProCESS foi o outro) sugerindo que protocolos de EGDT agressivos não são necessários para aumentar a sobrevida de pacientes sépticos chocados, quando comparados à terapia padrão comum envolvendo reconhecimento precoce, hidratação IV e tratamento empírico com antibióticos.
As informações deste estudo confirmam (como também no ProCESS 2014) o que muitos médicos que não possuem recursos para realizar EGDT gostariam de ouvir: uma reanimação invasiva acima da liberal não é necessária (hidratação IV >30ml/Kg, antibiótico de amplo espectro e monitorização do lactato).
Resumo: reanimação agressiva do EGDT não é necessária comparada ao reconhecimento precoce da sepse, ressuscitação volêmica e antibiótico empírico.
Resolução do caso: tendo reconhecido a sepse desse paciente e confirmado o alto nível do lactato, você iniciou antibiótico de amplo espectro para uma provável pneumonia. Você iniciou uma reanimação volêmica agressiva com SF0,9% ou Ringer lactato e ligou para a unidade de tratamento intensivo (UTI) para solicitar um leito.
Aplicação clínica: reconhecimento precoce, hidratação vigorosa, antibiótico empírico (pelo menos que cubra infecção pulmonar e do trato gênito-urinário) são as chaves do tratamento da sepse no DE (departamento de emergência).
O que eu devo falar para o meu paciente? que você dará bastante volume pela veia, iniciará um antibiótico de amplo espectro e internará o paciente.
Lembre-se de ser cético com tudo o que você aprende, mesmo que você aprenda no Guia do Emergencista Cético.
